My madness will now bare itself

aline
2 min readSep 20, 2020

--

“I was so close to my father that I knew, without wanting to know, without fully knowing that I knew. A thing like this, dreaded for so long, comes at last, and among the avalanche of emotions there is a bitter and unbearable relief. It comes as a form of aggression, this relief, bringing with it strangely pugnacious thoughts. Enemies beware: the worst has happened; my father is gone; my madness will now bare itself.” Chimamanda Adichie

A morte do meu pai me revelou quão pouco eu sabia sobre sua vida. Durante 30 anos eu achei que reagir a ele já era entendê-lo; seu desaparecimento me obrigou a olhar para as lacunas — e de repente havia tantas! — e tentar remontar precariamente uma imagem diferente, nova, na mesura da ausência que ele deixou para trás.
Meu pai foi sempre avaliado à luz de seus demônios: filho de um homem violento, violento como se faziam os homens antigamente, nós o louvávamos por, ao menos, não ter se tornado ele também um espancador. Os muitos defeitos do meu pai — os muros que ele impunha entre si e o resto do mundo, sua aspereza, sua dureza, seus caminhos na linguagem que traduziam uma violência própria, assumida, tornada então uma vocação moral — davam a suas qualidades um brilho incomparável, ofuscante e irresistível. Era a pessoa que nos fazia gargalhar até que os músculos do abdomen se desesperassem, a que nós escolheríamos para nos acompanhar até o inferno, a pessoa mais fácil de ser amada, enquanto era também a mais difícil.
Uma pergunta me ocorreu inacreditavelmente tarde, pela primeira vez em 30 anos, assim que nós saímos da sala de cremação: “meu pai tinha alguma boa lembrança de sua infância? Alguma história que não envolvesse uma surra, uma ameaça, uma punição?” Eu não podia lhe perguntar nem ninguém mais podia me responder porque todos daquela família já estavam mortos: meu avô, minha avó, meu tio, e minha tia isolada, única sobrevivente deles, longe de suas raízes. Perguntada, minha mãe me contou este fiapo de uma suposta lembrança feliz, “eu acho que lembro do seu pai me contar uma vez algo sobre um piquenique”.
O luto, pra mim, envolve aceitar como herança uma quantidade enorme de tristeza e raiva e agressividade e decifrar como foi possível que um homem ainda assim se produzisse capaz para o amor e para a generosidade; principalmente porque há essa voz interna que grita “the worst has happened; my father is gone; my madness will now bare itself” e ela procura, ela mesma, diariamente, tanto por justiça quanto por perdão.

--

--

aline

sorte no amor, azar no jogo e um fiapinho de manga preso no dente.