Vou te socar até ser preso

aline
2 min readSep 26, 2021

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Todo agressor, bem ou mal, consegue elaborar a racionalidade que justifica a violência que ele produz. O ônus da vítima, entre outros, é lidar com essa racionalidade, desvencilhar-se dela, das relações de causa e efeito que foram impostas com a agressão. Uma mulher não é assediada porque usou roupa curta, e sim porque o assediador é misógino. Um homossexual não é agredido porque desrespeitou o ambiente familiar com seu jeito, mas porque os agressores são homofóbicos. Um torcedor não joga uma banana num jogador negro porque está insatisfeito com a qualidade de seu futebol, joga porque é racista. O agressor só precisa de uma história que fabrique um sentido, qualquer sentido, ao que jamais poderá ter, que é seu impulso de humilhar e aniquilar o que ele vê no outro: o fraco, a puta, o viado, o estrangeiro, o inimigo.

Quem estabelece ou endossa causas externas à homofobia, ao racismo, à misoginia para atos e discursos de ódio tem todo o interesse em fazer dessas causas — falseadas, que fique bem claro — um termo igualmente relevante na equação, de modo a implicar a vítima nas engrenagens da violência que a acometeu. E quando o repúdio à violência contra minorias sociais concede, absurdamente*, um lugar para a participação do comportamento delas em sua própria articulação, mantendo a relação lógica estipulada pelo agressor, ainda que pretensamente para criticá-la, é sinal de que a violência já encontrou um caminho semi-clandestino para se legitimar.

*imagine: “esse jogador sempre erra o cruzamento da bola, mas atirar banana nele é demais, sou contra!”; “não concordo com a atuação dessa parlamentar, mas ameaçar e chamar de puta é errado!” etc

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aline

sorte no amor, azar no jogo e um fiapinho de manga preso no dente.